A psicoterapia é uma prática que se encontra na interseção entre a ciência e a arte. Embora sua base seja científica, a aplicação clínica exige sensibilidade, adaptação e um olhar cuidadoso sobre cada paciente. No campo da Psicologia, as psicoterapias baseadas em evidências surgem como um modelo de intervenção que busca integrar o rigor da pesquisa científica com a complexidade da prática clínica. No entanto, desafios como a mensuração de resultados, vieses na tomada de decisão e o distanciamento entre a academia e a clínica precisam ser considerados.
O que são psicoterapias baseadas em evidências?
As psicoterapias baseadas em evidências são abordagens de tratamento fundamentadas em estudos científicos rigorosos. Elas seguem protocolos específicos que foram testados e demonstraram eficácia para determinados transtornos. Modelos como a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) são amplamente estudados e têm suas técnicas validadas por meio de ensaios clínicos controlados e randomizados – o padrão ouro da pesquisa em psicoterapia.
A principal vantagem desse modelo é a possibilidade de mensuração dos resultados. Diferentes ferramentas podem ser utilizadas para avaliar a evolução do paciente, como:
• Relato verbal do paciente
• Impressão técnica do terapeuta
• Questionários padronizados (como a Escala Beck de Depressão e a Escala Beck de Ansiedade)
• Observação de aspectos comportamentais (expressão facial, postura, assiduidade nas sessões)
No entanto, a percepção de melhora nem sempre reflete mudanças sustentáveis. Algumas técnicas, como a exposição gradual para fobias ou TEPT (Transtorno do Estresse Pós-Traumático), podem gerar desconforto no curto prazo, mas são fundamentais para o progresso terapêutico no longo prazo.
Os desafios da prática clínica: a ciência encontra a subjetividade
Mesmo com protocolos bem estabelecidos, a prática clínica envolve fatores que não podem ser completamente padronizados. Elementos subjetivos, como a postura do terapeuta, o tom de voz, a capacidade de acolhimento e a habilidade de conduzir o paciente na terapia, influenciam diretamente na aliança terapêutica e nos resultados do tratamento.
Além disso, um dos principais desafios da psicoterapia baseada em evidências é o viés no julgamento clínico. A mente humana não é infalível, e o terapeuta, mesmo experiente, está sujeito a vieses na tomada de decisão, como:
• Viés de confirmação: tendência a interpretar os relatos do paciente de acordo com a teoria que fundamenta sua abordagem.
• Confiança excessiva: superestimar a eficácia de determinada técnica com base em experiências anteriores.
• Feedback tardio e ambíguo: o paciente pode apresentar melhora em uma sessão e piora na seguinte, dificultando a avaliação da eficácia da intervenção.
Esses desafios demonstram que, apesar de ser um campo baseado na ciência, a psicoterapia ainda lida com muitas variáveis difíceis de serem controladas.
A lacuna entre a pesquisa acadêmica e a prática clínica
Outro ponto de destaque é o distanciamento entre pesquisadores e psicoterapeutas. Muitos pesquisadores não têm experiência clínica suficiente para compreender os desafios da prática, enquanto muitos clínicos não têm acesso a estudos atualizados devido a barreiras como o custo elevado de artigos científicos e a defasagem das traduções para o português.
Esse distanciamento gera dificuldades para a implementação de práticas baseadas em evidências, pois os protocolos utilizados nos estudos nem sempre refletem a complexidade dos casos reais. Na pesquisa, há um controle rigoroso sobre variáveis, enquanto na clínica os pacientes frequentemente apresentam múltiplos transtornos associados.
Como os estudos científicos sobre psicoterapia são conduzidos?
A pesquisa em psicoterapia segue critérios rigorosos para avaliar a eficácia dos tratamentos. Os principais tipos de estudos incluem:
• Ensaios clínicos randomizados: dividem os participantes aleatoriamente em grupos de tratamento e controle para testar a eficácia de uma intervenção.
• Metanálises: reúnem dados de diversos estudos para analisar a efetividade geral de um tratamento.
• Revisões sistemáticas: sintetizam o conhecimento disponível sobre determinado tema, como o uso da realidade virtual no tratamento de TEPT.
• Estudos de caso e séries de caso: analisam detalhadamente a evolução de um ou poucos pacientes submetidos a uma intervenção.
Para garantir a validade dos resultados, é essencial controlar variáveis dependentes (os efeitos da intervenção) e independentes (a técnica aplicada). No entanto, mesmo com rigor metodológico, interpretar os resultados de forma imparcial continua sendo um desafio, pois o próprio pesquisador pode estar sujeito a vieses inconscientes.
Os desafios da aplicação clínica: quando o protocolo não funciona?
Apesar dos avanços na pesquisa, a prática clínica apresenta cenários complexos que nem sempre correspondem aos protocolos de intervenção estudados. Algumas dificuldades incluem:
1. A dificuldade de acesso a evidências científicas atualizadas
2. A mensuração dos resultados e a durabilidade dos efeitos
3. Casos onde o protocolo padrão não é eficaz ou precisa ser adaptado
4. Pacientes que apresentam múltiplos problemas simultaneamente
5. A incerteza sobre se a conceitualização do caso levará ao resultado esperado
Nesse sentido, a metáfora do bolo é útil: os estudos científicos seguem receitas específicas, mas a realidade clínica exige ajustes. Comorbidades, eventos estressores não previstos e características individuais do paciente podem impactar os resultados.
Práticas baseadas em evidências: uma abordagem integrativa
A solução para esses desafios passa pela adoção de práticas baseadas em evidências (PBE), que integram:
• Os melhores estudos científicos disponíveis
• O conhecimento clínico do terapeuta
• As características, valores e preferências do paciente
Esse modelo propõe um processo clínico estruturado, que envolve:
1. Formular perguntas sobre o caso do paciente.
2. Buscar as melhores evidências científicas disponíveis.
3. Avaliar criticamente a validade e aplicabilidade dessas evidências.
4. Aplicar o conhecimento na prática, em colaboração com o paciente.
5. Monitorar os desfechos do tratamento.
Psicoterapia – Ciência ou Arte?
A psicoterapia baseada em evidências não nega a importância da sensibilidade clínica, mas propõe um modelo que integra ciência e prática. Se, por um lado, os protocolos e estudos científicos fornecem diretrizes eficazes, por outro, o julgamento clínico e a relação terapêutica continuam sendo elementos fundamentais para o sucesso do tratamento.
Como psicoterapeutas, é essencial sustentar nossas intervenções com base na ciência, mas sem ignorar a arte que envolve o cuidado com o ser humano. Afinal, mais do que reduzir sintomas, a psicoterapia tem como objetivo promover qualidade de vida e transformação pessoal.
Dessa forma, seguimos com um olhar crítico, buscando minimizar vieses e aprimorar nossas práticas, sem perder de vista que cada paciente é único e demanda uma abordagem que vá além dos protocolos – integrando conhecimento, experiência e empatia.
DR. OSVALDO MARCHESI JUNIOR
Psicólogo em São Paulo - CRP - 06/186.890
Atendimentos Psicológicos On-line e Presenciais para pacientes no Brasil e no exterior.
Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) e Hipnoterapia.
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